Saudações nobres leitores, leitoras e leitorxs.
Recentemente a pandemia de Covid-19 nos fez repensar um posicionamento que poderia estar sem visibilidade em outras épocas. Uma figura pública qualquer tem o direito ou deve sugerir o consumo de determinado medicamento para usos coletivos?
A ausência de um tratamento comprovado para lidar com as enfermidades causadas pelo coronavírus que estabeleceu uma pandemia, trouxe para o debate da opinião pública as pesquisas que buscam drogas e tratamentos adequados para os infectados com o vírus. Dada a velocidade que o vírus se propagou, as pesquisas que normalmente duram anos, décadas e até séculos, passaram a integrar a “boca do povo”, passaram a fazer parte das conversas sobre a realidade e nomes como “cloroquina” e “hidroxicloroquina” passaram a fazer parte do imaginário social.
Muitos medicamentos passaram a ser utilizados em testes e como tratamento oferecido em Hospitais, todos que se baseiam nas características da doença e nas drogas já conhecidas para outras doenças. O caminho mais curto, que passou a ser utilizado para tentar tratar a Covid-19, era o da comunidade científica e médica compartilhar informações, drogas e procedimentos, buscando salvar o máximo de vidas.
Como qualquer assunto que é incorporado pela cultura comum sem o tempo hábil para demonstrar seus fundamentos, justificações e demonstrações, é que passaram a integrar uma disputa pela legitimidade. Ou seja, durante este enfrentamento atual, a opinião pública despreza todos os fundamentos que em chamados tempos “normais” as ciências estabelecem para validar seus posicionamentos e passamos a discutir ciência através do senso comum, como se tentativas e erros fossem a estrutura do funcionamento científico. A ciência se desenvolve justamente tentando superar este tipo de dispositivo de conhecimento, em certos tipos de pesquisa o erro significa morte e não podemos tratar como um joguete, ou como uma “roleta russa”. As ciências procuram ter uma base sólida para tomada de decisões e para a condução do esforço coletivo.
No anseio de encontrar um tratamento e uma droga capazes de tratar o Covid-19 a substância cloroquina foi cogitada e utilizada em alguns contextos de desenvolvimento da doença, tendo, em primeiro momento, uma APARÊNCIA de resultado positivo. Então, as esferas políticas pegaram esta informação parcial e passaram a produzir um discurso massificado de que foi encontrado uma forma de lidar com a enfermidade. Os médicos que estavam diante do êxito que utilizaram a droga passaram a ser “autoridades” que fundaram a veracidade do medicamento. Cientistas e médicos que atentaram para as limitações das pesquisas e dos resultados do uso desta droga até o momento passaram a integrar uma espécie de oposição a suposta “cura” e passaram a ser alvos de ataques por figuras públicas, mas não pela comunidade científica, porque esta última tem plena consciência dos modos pelos quais se faz a produção do conhecimento.
A comunidade científica e médica continuou pesquisando a droga e recentemente tiveram uma resposta mais bem fundamentada e mais definitiva, o uso de “cloroquina” em casos leves e moderados de Covid-19 não são eficazes e em determinados casos levam ao agravamento, sendo recomendado, então, pelos órgãos reguladores desestimular o uso da droga. Alguns países trataram de se livrar deste medicamento que havia sido adquirido em massa pela promessa de resultados positivos. Outros países insistem na droga já obtida materialmente, afinal, o que será feito com os milhões de comprimidos desta droga que foram adquiridos. Mas, os líderes públicos não possuem autoridade para recomendar o uso de medicamentos, quem irá recomendar o uso de um ou de outro medicamento é justamente o médico que interage com o paciente, os órgãos que são responsáveis pela mediação entre médico (a) e paciente. Estes órgãos e estas pessoas que são responsáveis pela indicação de droga ou de tratamento são cautelosas, justamente porque são individualmente responsáveis pelas consequências de suas ações, deliberações e decisões.
Em todo este contexto, passamos a ver uma figura do alto poder brasileiro tomar um medicamento de forma pública e estimular o seu uso para o tratamento da Covid-19. Esta figura não tem respaldo dos órgãos de medicina, nem dos órgãos de pesquisa científica e nem de nenhuma instituição que regula as ações de enfrentamento da pandemia.
Sendo assim, surgiu uma dúvida neste pobre ser pensante que vos fala: uma figura pública deve sugerir o consumo de um determinado medicamento?
Parece, após o esta linha de raciocínio, que as questões relativas ao uso de drogas e de tratamentos eficientes para a atual pandemia exigem um nível de complexidade alto, especialmente porque envolve tantas variáveis e tantas responsabilidades que uma atitude precipitada levará ao óbito de um, de dezenas, de centenas, de milhares de pessoas.
A opinião pública deve mesmo se interessar pela temática e deve fazer parte das discussões uma vez que na maior parte do globo exaltamos regimes democráticos, ou seja, onde o povo é soberano nas tomadas de decisão. A preocupação é: devemos trazer os pensamentos e os saberes sobre o tema a partir da cultura comum ou devemos trazer os pensamentos e os saberes sobre o tema a partir dos fundamentos das ciências contemporâneas?
Sinceramente, a razão que parece mais razoável nesta ocasião é conseguir demonstrar a complexidade da tradição e das instituições científicas e após o embasamento abrir as discussões em esfera pública. A tomada de decisões sem o conhecimento destes fundamentos seria um erro, na medida que como povo não estávamos devidamente formados para lidar sobre questões virais, sobre substâncias medicamentosas na ordem pandêmica, sobre tratamentos adequados às mutações dos coronavírus.
Parece-me, de modo muito interessante, que grande parte da população tem procurado se esclarecer sobre o tema. Parece que cientistas têm se preocupado com a vulgarização e divulgação para a pessoa comum de suas pesquisas. Este parece um caminho adequado ao tratamento da questão complexa que vivemos.
O destaque que deve ser feito é: nenhuma figura pública pode, neste momento de incertezas indicar nenhum caminho, método, tratamento ou medicamento. Mesmo que esteja certo, e num futuro possamos provar isto, não podemos minimizar a complexidade da realidade que vivemos. E se a figura pública errar na recomendação? O justo parece que se cobre a responsabilidade por cada óbito derivado de sua ação, afinal, não é isso que fazemos com os cientistas e com o médicos que erram no exercício de sua função?
Espero que o texto que desenvolvi, demonstre que as figuras públicas devem se preocupar com as suas ações, afinal, estão sendo observadas pelo coletivo e tará sempre quem a utilize como referência. O ideal seria, justamente, que a figura pública se torne a referência, mas podemos utilizar isto neste momento?
Eu não sei se a figura pública deve indicar medicamento. E SE, indicam algo e algum cidadão segue a recomendação? Aí seria responsável pela consequência, que poderia ser benéfica ou maléfica, em caso de maléfica creio que o a opinião pública seria responsabilizar, seria punir se causasse um óbito. Quem vai responsabilizar o mais alto escalão do poder democrático brasileiro? Sinceramente, o responsável deve ser o povo! Creio que devemos pensar mais sobre esta questão...
Afinal, uma figura pública deve sugerir consumo de um determinado medicamento?
Comentários
Postar um comentário