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Ano novo, vida nova?


Saudações fraternas.

É bastante comum utilizar o ciclo de calendário anual para representar o fim de uma etapa e o início de uma nova. Talvez existam benefícios psíquicos em proporcionar ao nosso entendimento de si o fim de certas coisas que julgamos como malefícios que queremos romper, outras coisas valorizamos para a manutenção e outras, ainda, deliberamos como foco de desejo, proporcionando certa esperança.

Deveras, este mecanismo psicológico nos proporciona algum grau de autoconhecimento, algum grau de capacidade analítica e algum grau de compreensão do nosso entorno. Mas, o será que este processo que fazemos tradicionalmente perto da virada de ano é o bastante?

Uma questão sempre muito provocativa é: nós temos capacidade de julgar com precisão o que é um verdadeiro malefício para a nossa vida? Quantas vezes pensamos que uma coisa era ruim, mas, algum tempo depois graças a este acontecimento alcançamos algo melhor? Por exemplo, quantas vezes as pessoas ficam frustradas por não conseguir realizar uma viagem que sonhava por questões financeiras e ao se adequar em sua realidade construiu experiências muito felizes? Imagine que você encontrou o amor da sua vida por isso, ou que você pôde passar um tempo de qualidade com um ente que algum tempo depois perdeu, etc. É evidente que estou buscando ilustrar de forma caricata, mas, a ideia tem alternância de níveis.

Em suma, quando avaliamos as situações em que vivemos, é preciso lembrar que além daquilo que conseguimos pensar sobre o momento estão acontecendo outros eventos que embora não estejam sendo pensados, podem influenciar a nossa vida.

Da mesma forma como pensar sobre as coisas “ruins” de nossa vida pode nos enganar, as coisas que valorizamos como bens também não são obviedades.

Como exemplo podemos usar um emprego que é muito valorizado por uma pessoa, ali a pessoa se sente realizada, sente-se fazendo algo especial. Em algum tempo, por corte de despesas ou qualquer outra adversidade, a pessoa é demitida. Com o apoio da família, dos amigos e de pessoas queridas, a pessoa é acolhida e percebe que a vida que valorizava não era o mais importante. A pessoa arruma outro emprego e passa a valorizar não só o seu ofício, mas também as outras relações sociais.

Mais uma vez, embora bem romantizado, apenas procuro indicar que podem haver distorções em nossos entendimentos. Sabendo que nossas capacidades de julgar como negativas ou positivas experiências que vivemos é problemática, precisamos sempre trabalhar para buscar o que verdadeiramente importa e isso não é possível usando apenas as viradas de ano. Precisamos dedicar em nossa vida o mesmo empenho que utilizamos para os assuntos que julgamos mais sérios, porque a vida é o assunto mais relevante, ao que sabemos esta é única.

Afirmar que precisamos levar a vida a sério não significa ter uma vida morna, sem alegria. Ao contrário, quando digo que devemos ter seriedade quero dizer que devemos buscar com afinco a alegria, a felicidade, a satisfação, o bom-senso.

Ao melhorar a nossa capacidade de analisar os bens e males de nossa vida poderemos direcionar a nossa reflexão para o âmbito da esperança, ou seja, sabendo onde estamos, sabemos onde queremos chegar. Esperança não é esperar, esperançar é trabalhar e buscar por condições de existência melhores.

Por fim, estimados leitores e leitoras, desejo uma excelente virada de ano. Desejo que você, assim como eu, possa deliberar sobre a vida o ano todo e que tenhamos capacidades e forças para construir as nossas condições. Esperança.

Feliz ano novo.
Atenciosamente.
Prof. Ricardo de Jesus Lopes

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